Almandrade on Sun, 9 Mar 2003 19:18:04 +0100 (CET)


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[nettime-lat] poesia reunida - Wilson Rocha




Poesia Reunida
Wilson Rocha
Zé Mario Editor e Fundação Biblioteca Nacional
Rio de Janeiro - 2002
270p.



Em surdina, longe da cultura barulhenta do carnaval, a Biblioteca Nacional e
Zé Mario editor lançaram "POESIA  REUNIDA"  de Wilson Rocha, mais de quinze
anos depois do seu último livro de poesia A Forma do Silêncio, também poesia
reunida até aquele ano. Poeta baiano nascido em Cochabanba (Bolívia) em 1921
que vive quase exilado na solidão de sua própria casa, no bairro do Rio
vermelho, em Salvador, mas sem perder o entusiasmo pela cultura grega-romana
e o bom humor,  que faz lembrar um velho cego chamado Borges e sua ironia em
afirmar que nunca precisou da realidade. O genial Duchamp também enfrentava
a vida e a arte com o humor e o riso. Wilson Rocha é um caso à parte na
poesia baiana, solitário, fora do tempo e do lugar. "Meu lugar é o mundo"
disse certa vez o extravagante Oscar Wilde. E um poeta culto que imagina a
poesia como uma investigação da razão, produto de muitas leituras, sem negar
o sensível, não precisa de pátria,  sua geografia é a antiguidade clássica.
Uma poesia depurada, silenciosa construída com uma "perícia artesanal no
lidar com a língua" (Ildásio Tavares)  habitada por um certo sentido
clássico. Ler os poemas de Wilson  e contemplar as esculturas de mármore de
um Sérgio Camargo, por exemplo, são experiências que alimentam a
inteligência do leitor/espectador. "A Grécia fornece a Wilson Rocha
referentes culturais, evocações e toda atmosfera que se resolve no plano da
linguagem..." afirma  João Carlos Teixeira Gomes no prefácio do livro. Um
moderno clássico, com uma atualidade de dar inveja aos contemporâneos, ou um
mágico que revela a beleza misteriosa resistente ao tempo e encanta mais
ainda, quando canta a beleza feminina na sutileza de suas imagens. "Lá ao
longe a casa na colina / lá havia manacás e avencas / e uma mulher assediada
pelo vento, / uma mulher possuída / pelos próprios cabelos."  Ou na  maneira
de abordar com requinte e elegância temas tão banais como o natal: "Não sei
que sinos distantes / o Natal ressuscita. / É a música tocando em nós / o
sentimento que nos visita./..."
Poucos são os que lêem livros de poesia, sempre foi assim. O que assusta
hoje, é uma espécie de educação voltada  para distração em detrimento do que
exige o trabalho do pensamento. No meio de tanto entretenimento a poesia
passa despercebida, foi relegada a um oficio inútil. Uma obra poética
pacientemente elaborada ainda não foi devidamente divulgada, estudada e
situada dentro da literatura brasileira. O que de surpreendente essa poesia
acrescenta  a nossa tradição moderna? (se podemos falar em tradição
moderna). Um rico objeto de estudo para uma tese de mestrado ou doutorado,
mas as nossas escolas de letras, (na Bahia em particular) com seus
instrumentos teóricos e metodológicos, ainda ignoram a qualidade e o rigor
dessa poesia.  POESIA REUNIDA de Wilson Rocha é um livro  de suma
importância para o meio literário brasileiro que este apressado e impreciso
comentário nem de longe sonha registrar.
Almandrade
(artista plástico, arquiteto e poeta)




Poemas de Wilson Rocha do livro POESIA REUNIDA

DA MULHER

                Comme l'arome d'une idée
                                             Valéry
Longa e clara cabeleira
no flanco dos quadris,
chama secreta ressurgindo
no ritmo flexível do sexo.

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A VOZ FEMININA

Nem a escrita dos pássaros
nem os clarins da eternidade
desafiam assim o tempo,
a frescura do azul
e a doce transparência do cristal.
como é branca e nua a voz
feminina.
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COMO A ORQUÍDEA

As formas da orquídea
Embriagam os sentidos
E atingem a plenitude.
Esplêndidas reentrâncias
Na doçura das pétalas,
Feminina, de tão íntima.

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A SAN JUAN DE LA CRUZ

Só os amantes e os deuses
Conhecem as forças cósmicas
Do amor sem limites
E da fé íntima dos grandes místicos.

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A FLOR RUBRA DO DESEJO

O fulgor da nudez
Respira o silêncio voluptuoso.
O esplendor do eflúvio -
A flor rubra do desejo -
Abre-se entre as mãos.

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OS DIAS ARDENTES

Como a fértil harmonia da mulher
Ou o inquietante aroma dos frutos
Acariciados pela língua do vento
A lucidez é uma imagem nua
Onde tudo sonha
Onde tudo evola-se
E treme como água
A escorrer sobre o umbigo.

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PALAVRAS ALADAS

Palavras aladas do amor -
Prazeres e inquietações -
Como a época de grandeza incalculável
Em que dançávamos como Dionísio
E sentíamos a misteriosa e profunda
Sexualidade das mulheres de Safo
Que entendiam o amor como eternidade.

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